Raja Selvam, PhD, é treinador sênior dos programas de treinamento profissional em Experiência Somática (SE™) de Peter Levine, e o criador da Psicoterapia Somática Integrada (ISP™), uma abordagem avançada para integrar corpo, energia e consciência em qualquer processo psicológico, elaborado para profissionais experientes. A abordagem eclética de Raja traz elementos de sistemas de trabalho corporal de Integração Postural, Terapia Craniossacral Biodinâmica, Terapia da Polaridade, sistemas de psicoterapia corporal reichianos, Bioenergética e Bodynamic Analysis, psicologias junguianas e arquetípicas, escola de psicanálise de relações objetais e intersubjetividade, Experiência Somática (SE), neurociência afetiva, e Advaita Vedanta, uma tradição espiritual da Índia. O artigo de Raja sobre o tratamento de sintomas traumáticos entre os sobreviventes indianos do tsunami foi publicado em Traumatology (setembro, 2008). Jung and consciousness [Jung e consciência] foi publicado no periódico de psicologia analítica Spring (outono, 2013). Raja leciona nos Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha, Áustria, Suiça, Holanda, Bélgica, Dinamarca, Rússia, Itália, Israel, Índia, Sri Lanka, Hong Kong, China e Brasil.
A série Perspectivas Somáticas em Psicoterapia (SomaticPerspectives.com) trata de psicoterapia com um enfoque na experiência corporificada. Nossa ênfase primária é em abordagens clínicas, com uma visão da prática sob a perspectiva de cada profissional. Um objetivo subjacente é explorar a convergência entre a prática clínica e os modelos emergentes da mente humana dos campos da neurociência, psicologia evolutiva e cognição corporificada. O editor da série, Serge Prengel, LMHC, tem em consultório particular na cidade de Nova Iorque. Ele também coordena workshops sobre Mudança Proativa e mindfulness relacional corporificado.
O texto a seguir é uma transcrição editada. Ela difere substancialmente da entrevista original. Foi editada por Raja Selvam para torná-la mais clara e informativa.
Serge Prengel: Essa é uma conversa com Raja Selvam. Olá, Raja.
Raja Selvam: Olá, Serge.
Serge: Então, Raja, você desenvolveu uma abordagem chamada ISP. Você gostaria de nos contar um pouco sobre isso?
Raja: Gostaria sim, Serge. ISP™ significa Psicoterapia Somática Integrada, e vou falar brevemente do que se trata. Ensino, há muito tempo, diferentes abordagens baseadas no corpo para o trabalho psicológico, isto é, como tornar o trabalho psicológico mais efetivo ao trazer o corpo e sua consciência, mais do que se costuma fazer na psicologia convencional. Por meio de meus estudos e minha experiência de trabalhar com pessoas e ensinar um grande número de profissionais em muitos países, cheguei a um lugar onde me dei conta de algumas coisas. Um, há muita informação científica sobre a fisiologia das emoções e sobre o processo de autorregulação, que ainda não chegou à prática clínica; informação que pode ser usada para simplificar a integração do corpo a qualquer prática psicológica. Dois, não é suficiente abordar apenas o corpo físico, o único corpo que a ciência reconhece como fonte de toda experiência, o qual a gente deixa para trás em um caixão, ou crema depois que morremos. É também importante abordarmos o corpo sutil, o qual não pode ser mensurado pela ciência, ou pode ser mensurado apenas com grande esforço e custo, como na pesquisa da física quântica ou de partículas. Esse corpo é chamado de corpo sutil no oriente, em oposição ao corpo grosseiro ou corpo físico, o corpo que vai para o caixão. Este último eu vou chamar de corpo grosseiro ou corpo físico nessa entrevista. O corpo grosseiro tem um nível quântico assim como todos os objetos do mundo. O corpo sutil, no entanto, existe apenas no nível quântico. Ele é também frequentemente chamado de corpo energético no ocidente, mas essa terminologia pode levar a um engano, pois todos os corpos, grosseiros ou sutis, são feitos da mesma energia, que difere apenas em termos de frequência. O corpo grosseiro e o corpo sutil interagem no nível quântico. Também sou treinado em psicologia oriental, e encontro paralelos na física quântica moderna com o que já é discutido na psicologia oriental há muito tempo. A osteopatia craniana ocidental também trabalha com o corpo sutil. Eles o chamam de corpo fluído, e o usam para trazer mais regulação para o corpo físico. Uma diferença é que, enquanto a psicologia oriental defende que o corpo sutil pode viver além do corpo grosseiro e reencarnar, a osteopatia craniana não se pronuncia a este respeito. Eu acho que é mais efetivo trabalhar com os dois corpos simultaneamente como fonte de todas as nossas experiências: percepção, pensamento, sentimento, lembrança, ação, conexão, relação, etc. Trabalhar com o corpo sutil não é tão difícil quanto geralmente se presume.
Mas, uma vez que tenhamos incluído o corpo sutil, podemos muito bem incluir os corpos coletivos grosseiro e sutil que somos, ou dos quais somos parte, dependendo do ponto de vista. E incluir a dimensão da pura consciência, do corpo absoluto ou fundamento de todos os corpos dos quais somos feitos, de acordo com a psicologia oriental. Na psicologia ocidental, há várias abordagens que incluem o corpo grosseiro no trabalho psicológico, e algumas abordagens que incluem o corpo sutil, como na psicologia da energia, que se baseia na noção de meridianos. Há algumas escolas psicológicas transpessoais que incluem os corpos coletivos grosseiro e sutil como influências significativas em nossa psique. E há abordagens que incluem a consciência no trabalho psicológico. Quase todas as abordagens de mindfulness trabalham com a consciência de uma forma ou de outra. Então pensei que seria mais efetivo incluir o maior número de corpos possível, e encontrar formas simples para ensinar profissionais de diferentes orientações, como incorporar os diferentes corpos, ou essas três dimensões, em sua prática, sem ter que mudar as diferentes orientações teóricas nas quais eles são treinados para trabalhar com seus clientes. Mas o foco primário da abordagem da Psicologia Somática Integrada (ISP) é como encontrar formas simples para integrar o corpo grosseiro individual em qualquer trabalho psicológico, usando pesquisas disponíveis sobre a fisiologia das emoções e autorregulação, e sobre a integração do corpo sutil individual e suas camadas em qualquer contexto clínico. Por exemplo,
Serge: Então deixe-me te interromper por um momento, porque há muito conteúdo aí.
Raja: Claro.
Serge: Então estamos falando sobre integrar ou prestar atenção ao corpo como um porta para lidar com fenômenos psicológicos. Mas, especificamente, quando você estava falando do corpo, e fez uma distinção entre o corpo sutil e o corpo de experiência do dia-a-dia. Então talvez possamos ficar com isso um pouco mais, sobre esse corpo sutil de nível quântico.
Raja: Sim. Na psicologia oriental, não é apenas o corpo físico que determina a experiência, como se presume na ciência e na psicologia ocidental em geral. Há também o corpo sutil que tem muita relação com a experiência. A crença de que o corpo sutil vai de uma vida para outra, é um ponto de debate. Ninguém pode realmente provar ser verdade ou não, medindo isso ou aquilo. Há os que citam pesquisas muito confiáveis sobre a reencarnação para defender esse ponto de vista. Mas, do ponto de vista prático clínico, a pergunta que precisamos fazer é: ele pode ser trazido à consciência ou pode-se trabalhar com ele para ajudar as pessoas a resolverem melhor seus problemas comuns? E é isso que as psicologias da energia tentaram fazer. Outras perguntas que surgem são: O que é o corpo sutil? É um corpo de matéria? É claro que é um corpo de matéria, pois tudo é matéria. É, no entanto, uma matéria sutil, no nível dos fenômenos quânticos, o sujeito da física quântica ou de partículas. Quando as pessoas no oriente falam sobre chakras, meridianos, elementos e corpos grosseiros e sutis, estão realmente falando de sua compreensão intuitiva de sua consciência sobre o corpo no termos das realidades newtoniana não-quântica e quântica moderna. Eles distinguem um corpo grosseiro, que é constituído de elementos grosseiros, resultantes da combinação de elementos sutis, e um corpo sutil que é constituído apenas por elementos sutis ou quânticos. Mas para nossa finalidade, não é tão importante saber se há corpos diferentes, ou se são apenas níveis diferentes do mesmo corpo, contanto que possamos usar esses modelos para observar e corporificar novos fenômenos, e trabalhar com eles de forma a tornar nosso trabalho e o mundo melhores.
Serge: Então não estamos falando de debater sobre a existência teórica desse corpo sutil de nível quântico. Estamos falando sobre ter a experiência, e a consciência dele, para usá-lo?
Raja: Exatamente. Isso é feito mais facilmente do que se acredita, desde que saibamos como educar o cliente sobre essas coisas.
Serge: É?
Raja: Sim. Por exemplo, quando as pessoas não são capazes de estarem conscientes da parte inferior da perna, abaixo do joelho.
Serge: Sim?
Raja: Quando não conseguem fazer isso, não conseguem se aprofundar em qualquer sentimento. Por outro lado, verificamos que quando as pessoas se aprofundam em qualquer sentimento, a parte inferior da perna está mais aberta e disponível à consciência. E o sentimento fica mais estável também. Há uma mudança no corpo físico mesmo, em termos do tônus da musculatura, mas há também maior fluxo ou fluidez, uma energia que se assemelha à água ou ao ar nas pernas. E isso faz muito sentido do ponto de vista oriental. Se estamos trabalhando com sentimento, e as pessoas estão tendo muita dificuldade com seus sentimentos, faz muito sentido abrir as pernas. O fluxo do chakra cardíaco governa os sentimentos em relação a si mesmo e aos outros, e a energia dele também precisa circular através da parte inferior das pernas para que se tornem mais profundos, toleráveis e façam mais sentido.
E quando ajudamos os clientes a fazerem isso, verificamos que as pessoas conseguem adentrar mais seus sentimentos, são mais capazes de tolerá-los, e obtêm insights mais relevantes em relação ao que sentem. É interessante observar que no sistema de psicoterapia corporal dinamarquês da Bodynamic Analysis, um sistema baseado em extenso estudo empírico das funções psicológicas dos diferentes músculos no corpo, os músculos da parte inferior das pernas também tem relação com o fato de a pessoa conseguir se conectar com seus sentimentos ou permanecer em uma relação mais abstrata com eles.
Serge: Como é que alguém pode assegurar que a energia vai para as pernas?
Raja: Para fazer isso, podemos trabalhar com o corpo físico, com a musculatura lá, os ligamentos lá, os ossos lá, com movimentos simples que qualquer profissional pode ajudar seus clientes a fazerem. A consciência do fluxo de energia nas pernas, cuja qualidade pode ser de água ou ar, pode ser útil. A consciência de algo geralmente ajuda a suportá-lo mais. Não precisa ser a verdade. Se há mesmo algo chamado corpo sutil ou energia realmente não importa. O que importa é que quando as pessoas estão dispostas a rastrear e apoiar essas coisas, elas parecem melhorar muito mais, e muito mais rapidamente.
Serge: Então, de novo, mais devagar um pouco. O que estou escutando, o que estou entendendo, é que um efeito de prestar atenção a esse corpo sutil vai ser perceptível, por exemplo, na forma como as emoções, sentimentos fluem melhor. Mas chegamos a isso prestando atenção, através da fisicalidade do corpo. Então, de alguma forma, um observador externo poderia ver o que você está fazendo como prestar atenção à fisicalidade do corpo e algo acontece. Mas parece haver mais do que simplesmente isso. O que você está fazendo não é apenas prestando atenção ao corpo físico, mas agindo sobre o corpo sutil de alguma forma através disso.
Raja: Bem, sim, mas a resposta à sua pergunta perspicaz é um pouco complicada. Na psicologia oriental, o corpo sutil é, em última instância, a fonte de toda experiência e regulação no corpo grosseiro. Por essa lógica, se estamos trabalhando com o corpo grosseiro e promovendo uma mudança nele, temos que estar trabalhando e promovendo uma mudança no corpo sutil ao mesmo tempo. A consciência é livre para estar mais identificada, ou menos identificada, com cada corpo que constitui nossa existência, pois é o ser fundamental de todos os nossos corpos. Há pessoas que trabalham com a consciência do corpo sutil para promover mudanças no corpo grosseiro. Mas como tendemos a ser mais identificados com nosso corpo físico, chamado de corpo grosseiro no oriente, faz mais sentido trabalhar, para começar, com nossa consciência dele. Mas em algum ponto também se torna importante estar consciente dos movimentos de nosso corpo sutil, e trabalhar com eles para angariar os benefícios que isso pode trazer. Alguns argumentam que a habilidade de rastrear e trabalhar com o corpo sutil pode trazer mudanças maiores e mais rápidas do que rastrear e trabalhar com o corpo grosseiro. As qualidades do corpo sutil são diferentes daquelas do corpo físico. E a não ser que procuremos também por essas qualidades, acabamos permanecendo e rastreando apenas as sensações do corpo físico por meio do cérebro. No entanto, precisamos observar que enquanto há vida no corpo grosseiro, é quase impossível para a maioria das pessoas separar claramente a consciência de seu corpo sutil da consciência de seu corpo físico, exceto nas raras experiências de quase morte ou de estar fora do corpo.
Serge: Interessante.
Raja: Realmente. Para ir adiante, os sentimentos, por exemplo, são frequentemente a coisa mais importante com a qual trabalhamos em psicoterapia. O conhecimento convencional na psicologia é que quase todas as patologias derivam da inabilidade em sentir e tolerar certos estados de natureza afetiva. Estados afetivos são sensações complexas no que chamamos corpo físico, e o oriente chama de corpo grosseiro; e estados complexos de energia no nível do corpo sutil. E a interação dos dois é o que provoca um sentimento ou afeto. É uma experiência interativa complexa de vários níveis, envolvendo pelo menos dois corpos. Quando as pessoas tentam regular estados afetivos por meio de estratégias de conscientização que rastreiam sensações apenas no nível do corpo físico, frequentemente deixam de ver a floresta e só veem as árvores. Isso é um dos pontos fracos das abordagens que rastreiam sensações, mesmo que cada uma tenha seu valor para objetivos específicos. Temos que aumentar nossa habilidade de rastrear, cada vez mais, sistemas ou corpos e suas interações simultaneamente, e cada vez mais experiências mais complexas sem dividi-las em micro sensações ou energias para rastreá-las e regular nossas experiências psicológicas de forma mais significativa.
Serge: Certo, certo. Então quando você está focando rastrear uma sensação, o que pode acontecer é que você acaba não percebendo a floresta por prestar atenção só nas árvores. Então, como é, na prática, em uma sessão, como é que você consegue rastrear o fluxo da experiência que é mais complexo?
Raja: A habilidade de rastrear sensações individuais é um passo importante. É como aprender o alfabeto da linguagem de seu corpo. Por exemplo, calor ou frio, e constrição ou expansão em certas áreas do corpo. Apenas sentir sensações tão simples pode estabelecer um melhor circuito de feedback entre o cérebro e o corpo por meio de vias aferentes e eferentes dos sistemas nervosos autônomos e somáticos, o que, por sua vez, aumenta a habilidade do cérebro para regular melhor o corpo. Isso também pode ajudar a regular experiências emocionais. Por exemplo, sentir tristeza ou medo e, ao mesmo tempo, perceber onde esses sentimentos se localizam no corpo, e as sensações que os acompanham, pode ajudar a regular essas experiências emocionais e o corpo simultaneamente.
Conseguir sentir diferentes partes do corpo em detalhe como sensações, nos dá maior possibilidade de gerar, sentir, e regular o fenômeno mais complexo das emoções como amor e desapontamento. Mas pessoas habituadas a sentir sensações corporais em todos os tipos de situações podem se ver como reféns de um cérebro que indiscriminadamente rastreia micro sensações ou movimentos devido ao hábito. Por isso eu nem pergunto às pessoas o que elas estão sentindo, pela simples razão que, se elas estiverem acostumadas a sentir o corpo o tempo todo, elas voltam a sentir calor ou frio, e constrição ou expansão, formigamento, etc. Eu vou primeiro à experiência psicológica, a floresta, por assim dizer. Estou procurando uma experiência psicológica significativa. Estou explorando que sentimentos poderiam ser esperados, se a pessoa já não estiver mostrando isso no rosto ou relatar estar consciente disso. Então peço para que ela sinta esse sentimento no corpo, onde está, como está, sem perguntar por sensações específicas. Para ser claro, diferentes abordagens de rastreamento da sensação e movimento, como Vipasana, Focusing, Continuum ou Movimento Autêntico são sistemas maravilhosos que oferecem inúmeros benefícios. É por isso que continuam a ser populares e relevantes. Mas temos que ter discernimento para usá-los para a regulação psicológica e até mesmo fisiológica, baseado no entendimento de suas vantagens e desvantagens, seus pontos fortes e seus pontos fracos.
Serge: Entendi.
Raja: E quanto mais intenso for o sentimento – sabemos do trabalho da cientista molecular Candace Pert, que quase ganhou o prêmio Nobel por sua descoberta dos receptores de opióides no cérebro – uma experiência emocional se propaga como cascata ou impacta todas as células do corpo em questão de segundos. Quanto mais intensa a experiência, mais ela afeta o organismo como um todo. Na terapia, as pessoas frequentemente relatam sentimentos no coração e acima do diafragma, e expressam isso nas áreas da cabeça, pescoço e rosto. Muito frequentemente, a experiência, assim com a expressão de uma emoção, ficam presos acima do diafragma. E uma forma de trabalhar com esse estado de sentimento, para gerá-lo, senti-lo mais completamente, e até tolerá-lo, é abrir todo o corpo à experiência o máximo possível, por meio da consciência, movimento, respiração, ou autotoque em diferentes direções. E, quando fazemos isso, temos uma experiência mais plena do sentimento, maior habilidade para tolerá-lo, e até um senso mais coerente de seu significado. Frequentemente, se o cliente não expandir abaixo do diafragma, é muito difícil acessar as raízes inconscientes de seus sentimentos. O segundo chakra na psicologia oriental está associado com o elemento água, e é o portal de acesso ao inconsciente, bem como à criatividade.
Muito frequentemente, quando as pessoas estão apenas sentindo a área do coração acima do diafragma em associação com emoções, elas têm muita dificuldade com elas, porque sua energia está confinada a áreas estreitas de seus corpos grosseiro e sutil, sem a energia do chakra cardíaco circulando através de áreas abaixo do diafragma. Além disso, a falta de conexão com a energia do segundo chakra na área pélvica, e sua circulação através de áreas mais baixas do corpo, impede que os sentimentos se tornem mais plenos, e suas origens inconscientes se tornem mais claras, e também tornam soluções criativas para resolução menos aparentes. As pessoas acabam com um processo que fica alternando entre o cérebro e a parte superior do corpo acima do diafragma, um processo prolongado de muitas associações, que realmente não se aprofundam em sentimentos relevantes e nos padrões e razões subjacentes.
Serge: Tudo isso é muito interessante, mas vou novamente diminuir a velocidade um pouco para revisitar o que você disse mais cedo para clarear algo. O que ouvi foi que você não começa com sensações, mas com algo que é mais abrangente como um sentimento?
Raja: Sim, a experiência.
Serge: A experiência?
Raja: A experiência psicológica, o onde ela está no corpo, ou como o corpo é afetado por ela. Experiências como um sentimento ou impulso para fazer algo ou não fazer algo.
Serge: E depois?
Raja: E onde ela não está e porque não está em um local do corpo.
Serge: Ao contrário de começar com a sensação, por que isso poderia levar a não perceber a floresta e só as árvores?
Raja: Sim, isso poderia levar a essa situação, principalmente em pessoas que são muito boas em rastrear sensações, e se perder nelas, sem obter experiências mais abrangentes e psicologicamente mais significativas a partir disso. É possível que quando as pessoas começam com sentir o corpo através de sensações discretas, isso pode estabelecer um circuito de feedback entre o cérebro e o corpo para permitir a expansão, nos corpos físico e sutil, de experiências que estavam contidas, para que elas apareçam ou sejam geradas. Mas não há qualquer garantia que isso acontecerá. Isso depende se a pessoa, sozinha ou com ajuda de outros, consegue gerar experiências significativas e interpretá-las como tal. E a capacidade de uma pessoa fazer isso sozinha depende muito de se ela teve o suporte de outros para gerar experiências e dar sentido a elas no passado. Se não conseguem fazer isso, e se são boas em rastrear sensações corporais e corpo e movimento de energia, tal processo pode apenas regular seus corpos, trazendo-os de volta a um lugar mais calmo ou a um equilíbrio habitual sem qualquer transformação psicológica ou benefício significativos.
Serge: Mhm, mhm.
Raja: Vou lhe dar um exemplo. Já tive clientes, que há anos rastreiam sensações, e chegam até mim com sintomas de ansiedade. Se a ansiedade é baseada no medo, ou medo de algo não fundado na realidade presente, a pessoa precisa senti-la o máximo possível, e tolerá-la, e segurá-la até que ela diminua, sem se prender a outra coisa como causa externa à sua vida atual. O medo vai ser acessível e gerenciável na medida que a pessoa se sente apoiada por você para senti-lo, e na medida que os corpos grosseiro e sutil possam ser expandidos para acomodá-lo. Mas tão logo essas pessoas percebiam onde o medo estava no corpo, a partir de minha orientação, elas rapidamente, como de hábito, desviavam a atenção para o rastreamento de sensações como formigamento, calor, etc., afastando-se da situação psicológica e dos sentimentos que são, na realidade, matrizes complexas de sensações em múltiplos sistemas do corpo.
Dessa forma, elas não rastreavam nem desenvolviam a capacidade para experiências mais complexas no corpo. Elas tinham aprendido apenas a dissipar experiências significativas por meio do rastreamento de micro sensações e movimentos. Assim, com o tempo, aprendi a não pedir as pessoas para rastrear sensações nos treinamentos que dou, a não ser para abrir ou acessar o corpo para rastrear experiências mais significativas nele. Para os treinamentos de ISP que dou, exijo que os candidatos sejam profissionais com experiência clínica, que já trabalhem psicologicamente há muito tempo. Também exijo que tenham conhecimento adequado sobre o corpo, por meio da Experiência Somática, Psicoterapia Sensóriomotora, Bioenergética ou algum treinamento ou prática em trabalho corporal ou em sentir o corpo, de modo que já conheçam bem seus corpos, para que não seja estranho para eles sentir as sensações corporais pelo menos em algumas partes do corpo.
Serge: Mhm, mhm.
Raja: Para um exemplo concreto, vamos pegar a experiência do luto. Eu digo: Onde está o luto em seu corpo? Onde ele não está? Por que você não coloca sua mão no local onde você diz que é muito difícil tolerar o luto, ou onde ele não está presente, para que você possa abrir ou conectar essa parte do corpo à sua experiência? Se não estiver presente abaixo do diafragma, vamos ver como podemos abrir o diafragma para permitir que a parte mais baixa do corpo participe da experiência. Por que você não movimenta seu pescoço para que o luto possa chegar também em seu rosto? E então movimente seus braços, ou traga seus braços para sua consciência, para que participem da experiência também. Por que você não coloca uma mão sobre seu coração, e outra sobre seu rim, ou movimenta a parte inferior de sua perna, para que a energia do chakra cardíaco possa fluir mais facilmente através de seu corpo, para fazer sua experiência de luto mais plena, mas também mais tolerável. Dessa forma, consigo que as pessoas rastreiem sues corpo em relação à experiência de forma significativa, e não apenas rastreiem sensações isoladamente e sem objetivo. Ao mesmo tempo estou orientando a expansão do corpo físico em direções que façam sentido em termos de aumentar a autorregulação no corpo físico, e de aumentar a disponibilidade de energia do corpo sutil.
Serge: Então você está falando sobre a experiência como um todo, e daí, alimentando a curiosidade sobre onde ela está, onde não está, e é assim que o rastreamento ocorre dentro do contexto.
Raja: Sim. E então, é necessário saber como ajudar os clientes a rastrearem e trabalharem com seus corpos de tal forma que seus corpos grosseiros e sutis estejam tão abertos, e em relação um com o outro, quanto possível, para apoiar a experiência que se desdobra que se origina em um local específico. O corpo grosseiro físico consiste de camadas que podem se fechar durante uma experiência avassaladora. Músculos, órgãos e tecidos do sistema nervoso central podem todos se contrair durante uma experiência difícil. É necessário saber como orientar os clientes a abrirem diferentes camadas do corpo físico, e como facilitar as trocas entre essas diferentes camadas, para minimizar a desregulação e, ao mesmo tempo, apoiar uma experiência que gera desregulação, como o medo. Além disso, é necessário saber como ajudar os clientes a se tornarem conscientes e trabalharem com diferentes camadas do corpo sutil umas em relação às outras. E como assegurar que as energias do corpo sutil estejam interagindo com o corpo grosseiro o máximo possível?
De acordo com a Terapia da Polaridade, diferentes zonas do corpo físico, quando contraídas, podem impedir que o fluxo de energia de diferentes elementos do corpo sutil de diferentes chakras se movimente através do corpo físico em direção a maior manifestação de experiências de vida necessárias. Por exemplo, a energia do chakra cardíaco não fluirá através do corpo se as áreas do intestino grosso, rim, e parte inferior da perna estiverem bloqueadas de alguma forma. Então, quando trabalhamos com luto que é avassalador na região do peito, fazemos várias coisas com as camadas do corpo físico mesmo. Trabalhamos com a região do peito com conscientização, autotoque, e possivelmente com a respiração para manter a área aberta à experiência, e para minimizar a desregulação ali presente. Trabalhamos com as áreas dos braços, rosto e pescoço também, com conscientização, movimento ou autotoque para expandir a experiência para essas áreas, assim como para minimizar a desregulação ou excesso de carga na região do peito. Isso é possível porque quando as áreas adjacentes ao peito, cabeça, e braços estão mais abertas e melhor conectadas, por meio do aumento do fluxo cardiovascular e do sistema nervoso, não apenas no corpo físico está menos desregulado, mas está em posição melhor para gerar, compartilhar e tolerar experiências dolorosas como o luto. Também trabalhamos com consciência, movimento, ou autotoque com o intestino grosso, rins e parte inferior das pernas, que podem bloquear a energia do corpo sutil do chakra cardíaco de fluir através do corpo grosseiro físico. Quando fazemos isso, observamos que as pessoas são mais capazes de se aprofundarem em seus sentimentos, como o de luto. Elas também permanecem melhor reguladas fisica e emocionalmente.
A psicologia orienta, na qual se baseia a Terapia da Polaridade, teoriza que o corpo sutil é, em última instância, a origem da experiência e regulação fisiológica e psicológica. Assim, esses benefícios são previsíveis desse ponto de vista. A psicologia ocidental, por outro lado, teoriza que o cérebro é a origem de toda experiência e regulação psicológica e fisiológica, e, portanto, não percebe uma fonte importante de experiência e regulação ascendente na psique dos seres humanos. O que estou fazendo na abordagem da Psicoterapia Somática Integrada ou ISP é trazer os benefícios das duas perspectivas para maximizar a efetividade do tratamento.
Quando abrimos o corpo e prestamos atenção à experiência psicológica nele, a experiência pode ser intensa. Mas podemos abri-lo de tal forma que esteja melhor regulado, ou menos desregulado durante experiências desagradáveis, de forma que as camadas do corpo físico, inclusive o cérebro, estejam mais abertas, reguladas, e em comunicação umas com as outras. Podemos abrir as camadas do corpo sutil de tal forma que elas estejam fluindo, em melhor equilíbrio umas com as outras, e em maior interação com o corpo físico. Então há teoria e lógica nas direções em que expandimos o corpo físico durante o trabalho psicológico. Se fizermos isso sabiamente, usando informações científicas sobre autorregulação e bases fisiológicas da experiência ao trabalharmos com o corpo físico ou grosseiro, e a psicologia oriental para trabalhar com o corpo sutil, as experiências difíceis podem ser, paradoxalmente, menos difíceis de serem processadas. Isso reduz a resistência consciente e inconsciente que todos temos em relação a experiências desagradáveis. Podemos passar por experiências difíceis, e resolvê-las como e quando acontecerem, sem ficarmos presos no passado, se defendendo contra o reaparecimento delas, e sofrendo com sintomas psicossomáticos ou psicofisiológios como fadiga crônica, ou fibromialgia, entre outras coisas.
Os treinamentos de ISP enfatizam a experiência pessoal, porque pessoas já familiarizadas com o corpo tem que desaprender as formas familiares e habituais de rastrear e trabalhar com seus corpos para aprender a diferença. Em um treinamento recente, três alunos com sintomas de fibromialgia de longa duração relataram remissão notável de seus sintomas quando trabalharam com a regulação psicológica de uma experiência difícil, enquanto prestavam atenção na disponibilidade e regulação dos corpos grosseiro e sutil ao mesmo tempo. É claro que temos que verificar se continuaram livres dos sintomas a longo prazo para afirmar que é um resultado válido. Mas o que aconteceu durante aquela aula foi um sinal de esperança. Mas ouço tanto sobre remissão notável de sintomas de longa duração como enxaquecas e asma, mesmo após uma única sessão, que isso não mais me surpreende. A regulação psicológica, a regulação do corpo grosseiro, e a regulação do corpo sutil são os três pilares da Psicoterapia Somática Integrada (ISP). Quando feitas simultaneamente, em relação mútua, tais resultados são realmente possíveis, na minha experiência.
Serge: Então, Raja, o que você está falando é sobre como a energia pode ficar presa, e como isso, por sua vez, pode inibir processos psicológicos e fisiológicos. Você está falando sobre como trabalhar com a energia para fazê-la fluir novamente, e como esse fluxo permite que a regulação psicológica e fisiológica aconteçam. E que para fazer isso bem, você tem que ter um mapa de onde estão os vários circuitos, e as direções e lugares para onde a energia precisa fluir, e o que fazer para facilitar esses fluxos.
Raja: Sim, exatamente. E, ao mesmo tempo, o que fazer no corpo físico para maximizar a regulação fisiológica e psicológica, com a orientação de informação científica dos campos da neurofisiologia da autorregulação, e da fisiologia das emoções, relações e outras experiências psicológicas. E a metodologia tem que ser simples o bastante. Do contrário, psicoterapeutas de diferentes orientações não compreenderão com facilidade. E tem que ser apresentada de tal forma que não seja difícil para eles a integrarem em diferentes abordagens e orientações que usam para fazer terapia.
Serge: Mhm, Mhm.
Raja: Então aquele profissional experiente, com diferentes orientações, pode usar essa abordagem em sua prática para fazê-la mais corporificada. Para repetir, não estamos falando apenas do uso do corpo sutil para melhorar o trabalho. Também estamos falando sobre trabalhar com o corpo sutil em conexão com o corpo físico, e trabalhar com o corpo físico em si. Quanto mais pudermos facilitar os fluxos aferentes e eferentes no sistema nervoso autônomo, de modo que a informação da área inervada por ele – órgãos, glândulas e vasos sanguíneos – chegue ao cérebro, e a informação do cérebro chegue a essas áreas, para que o cérebro possa não apenas regulá-las mas também usá-las para gerar e regular melhor experiências psicológicas. E quanto mais pudermos facilitar fluxos aferentes e eferentes ao longo das vias do sistema nervoso somático, melhor é a capacidade do cérebro para regular os músculos, e usá-los para gerar e regular experiências psicológicas. Nós
Simplificamos como fazer isso no corpo físico mesmo, nas três camadas do corpo físico, e usamos com grande efetividade para ajudar sobreviventes indianos do tsunami de 2004. Publicamos os resultados em Traumatology em 2008, um periódico sobre trauma.
Serge: Sim.
Raja: Agora temos um projeto de vários anos no Sri Lanka. Estamos envolvidos no treinamento de 160 profissionais no que foi uma zona de guerra no norte da Sri Lanka, para tratar sintomas de transtorno de estresse pós-traumático advindo de traumas de guerra, perda, violência, e deslocamento. A guerra civil de 36 anos acabou há poucos anos. Estamos usando mapas simples lá, não necessariamente para trabalhar com o corpo sutil, mas mais com o corpo físico – como abrir as diferentes camadas da fisiologia, e como facilitar o fluxo dos sistemas cardiovascular e nervoso através das diferentes camadas do corpo enquanto trabalhamos com as experiências terríveis que eles passaram. O que estamos observando é que ajuda eles a trazem essas experiências terríveis, tolerá-las e trabalhar com elas melhor do que qualquer outra abordagem que tenham aprendido até o momento.
Serge: Sim, então restaurar a regulação dos fluxos através das camadas do corpo físico é um portal que você usa.
Raja: Sim. Esse é um portal, se quiser. Que se adequa melhor aos psicoterapeutas ocidentais cientificamente treinados. Mas também usamos o corpo sutil individual e os corpos coletivos grosseiro e sutil, que também constituem um indivíduo, direta ou indiretamente, para ajudar pessoas. Vou lhe dar um ou dois exemplos para ilustrar essas ideias.
Serge: OK
Raja: Depois do tsunami de 2004, um menino de 10 anos de idade veio até nós quando estávamos terminando o trabalho em uma vila no sul da Índia. Ele pegou a mão de uma de nossas terapeutas, e colocou a mão dela sobre seu peito e disse: “Tsunami, bate forte, bate forte, bate forte.” Ele tinha palpitações cardíacas e ansiedade sempre que pensava no tsunami ou quando alguém ou alguma coisa o lembrava dele. Ele demonstrava claramente muito medo quando falava disso. Fizemos um tratamento breve com ele, e ensinamos a ele o que ele poderia fazer para ajudar a si mesmo da próxima vez que tivesse esse sintomas. Foi mais ou menos assim. A coisa toda foi bastante simples. Dissemos: “Sim, um tsunami é algo muito assustador, e o corpo pode ficar ativado, como quando você está correndo muito rapidamente. E o corpo pode ficar endurecido para lidar com todo esse medo e carga no corpo. O corpo tenta apertar a experiência no menor espaço possível, e colocar uma tampa sobre ela. Dessa forma, o medo e toda a carga podem ficar presos no peito, que agora está duro. Todo o medo e carga que estavam em todo o corpo, ficando presos em uma pequena área do peito, podem inundar essa área e produzir dificuldades como ansiedade, dificuldade para respirar, e batimento cardíaco irregular. Então o ensinamos como não se afastar do medo e da carga, mas encontrar uma forma de criar um espaço maior para eles para que o corpo não tenha que se contrair e endurecer, e manter todo esse medo e carga no peito, levando seu coração a bater suavemente. Especificamente, ensinamos ele a colocar a mão sobre o peito, movimentar o braço direito, e depois o braço esquerdo e sentir todas as áreas se abrirem. Ele conseguiu sentir mais sensações de ansiedade nos braços. E o alívio começou a chegar na região do peito, o que foi evidenciado por melhor respiração. Isso lentamente se espalhou para outras áreas. Não muitas áreas. Chegou um pouco até as pernas. Ele ficou agradavelmente surpreso com a alívio que sentiu. Dissemos a ele: “Isso é o que você precisa fazer, quando se lembrar do tsunami e seu coração começar a fazer aquilo. Você coloca suas mãos sobre o coração, seu peito, e você movimenta seus braços e talvez as pernas para ver como esse medo pode talvez se espalhar para o maior espaço de seu corpo, e não te assustar tanto no coração que ele começa a bater irregularmente.”
Entrevistamos ele 4 semanas depois, e novamente 6 meses depois, e ele estava bem. Disse que não tinha tido os sintomas desde que conseguiu lidar com seu medo sem que ele se tornasse demais. Espero que esse exemplo tenha lhe dado uma ideia de como pode ser em um caso simples. E se olharmos para esse exemplo simples em termos dos princípios que discutimos anteriormente, podemos ver o trabalho com o corpo físico, quando expandimos as áreas do peito e dos braços, e as tornamos mais funcionais; e aumentamos os fluxos dos sistemas cardiovascular e nervoso nas três camadas da fisiologia, do músculo, órgão e sistema nervoso, por meio da consciência, toque e movimento. Isso também tornou possível que as experiências difíceis de medo e ansiedade fossem geradas, toleradas em uma área maior da fisiologia, sem estressar a área estreita do coração, levando-a à desregulação do batimento cardíaco irregular. Vemos também o trabalho indireto com o corpo sutil nesse exemplo. Para que a energia do chakra cardíaco flua mais completamente, e seja contida, a área da caixa torácica, do ombro até o diafragma, e a área superior do braço, do ombro até o cotovelo, precisam ser abertas e conectadas entre si. Isso pode ser visto como uma possibilidade nas intervenções feitas nessa sessão.
Serge: Esse é um exemplo muito bonito, e de alguma forma, o que eu gostaria de fazer com você agora, é dar um replay, como se tivéssemos um vídeo. Já que não temos um vídeo, e não podemos ter um comentário no vídeo, vou sugerir às pessoas que, enquanto escutam essa entrevista, repassem o exemplo um pedaço de cada vez, e então prestem atenção às várias camadas que você cita. Podem então tentar aplicar isso a uma experiência difícil deles próprios. Você sabe que algo com que trabalhar, quando a sensação subjacente é de que: “Sim, essa experiência é realmente avassaladora.” Eles podem aprender que há uma forma para lidar com ela, e com experiências semelhantes, colocando-as em um continente maior para que possam ser digeridas.
Raja: Sim, isso é uma ótima ideia. Mas elas precisam se assegurar de escolher algo pequeno para começar, e não a pior experiência de suas vidas para fazer o teste. Também precisam lembrar que tem que haver uma disposição para sofrer um pouco a curto prazo para não sofrer desnecessariamente com sintomas no longo prazo; e que é sempre mais fácil processar uma experiência difícil com o apoio de outras pessoas do que sozinha. De fato, não podemos processar certas experiências sem o apoio de outras pessoas. Uma das ferramentas importantes ensinadas no treinamento de ISP é o uso da ressonância interpessoal. Todos somos feitos para sentir e nos regularmos mutuamente, corpo a corpo, por meio de frequências do espectro eletromagnético no corpo físico e frequências mais elevadas dos corpos sutis. Isso pode ser usado para efetivamente dar apoio aos clientes em uma sessão. Uma das tragédias da prática psicológica que não inclui a consciência dos corpos físico e sutil é a subutilização desse instrumento extra-ordinário. Isso também não é difícil de ser feito. Mas exige uma mudança de mentalidade na psicologia ocidental. Como Robert Stolorow, um brilhante psicanalista intersubjetivo, observou, muito da psicologia ocidental está perdida no paradigma de pensar na psique individual como isolada, com fronteiras rígidas, que funciona como um robô usando seus sensores para percepção e sua CPU (unidade central de processamento) para inferência e para todas as outras experiências. Tal ressonância interpessoal é, frequentemente, a experiência primária no apego e outras experiências relacionais. Assim, para mim, é difícil imaginar trabalhar com apego e outras experiências de relação, sem estar consciente da dimensão de ressonância interpessoal de tais experiências através de nossos corpos grosseiro e sutil.
Serge: Fascinante! Voltando ao exemplo em que ainda estou pensando, a outra parte dele que achei digno de nota é que, em vez de apenas prestar atenção ao cliente, você pede ao menininho para movimentar o braço dele e observar algo. E você está fazendo isso de forma simples, e sugerindo que isso pode ser realizado. Gostaria de convidá-lo para talvez reapresentar brevemente esse exemplo, para que possamos ouvi-lo novamente para ver as muitas camadas que estão envolvidas.
Raja: Sim, educar o cliente é uma parte importante da abordagem. As pessoas não estão orientadas ao corpo. Na verdade, a maioria dos terapeutas também não. A compreensão deles acerca do papel do corpo na experiência psicológica e das formas como trabalhar com o corpo no contexto do processamento psicológico é limitado. Portanto, é importante educar os clientes sobre porque o corpo é importante, como trabalhar com ele, e que benefícios podem ser esperados, da forma mais simples possível, para que o cliente fique motivado, e para que a sessão tenha um bom resultado. Posso lhe dar outro exemplo mais complexo em vez de repetir o anterior? Depois o discutirei em termos dos princípios subjacentes em ação.
Serge: Claro, claro.
Raja: Uma jovem na Holanda veio me ver quando eu estava dando um treinamento lá. Ela sofria de ataques de pânico desde os sete anos de idade. Quando era jovem, ela ouvia uma voz em sua barriga dizer que era hora de ela morrer, antes do início do ataque de pânico. Ela ficava com tanto medo que nem contava para seus pais. Ela era filha única, e foi só aos 10 anos que contou para seus pais. Quando o fez, os pais buscaram a melhor ajuda possível, médicos, psiquiatras e psicólogos. Quando ela veio me ver, tinha 21 anos. Usava vários medicamentos. Tinha feito análise com dois psicanalistas. Ainda tinha ataques de pânico. Ela dormia muito, tinha desistido da universidade, tinha um emprego com baixo salário, mora com os pais e não conseguia ficar sozinha sem eles em casa. Estava deprimida e sem esperança de que algo pudesse mudar.
De sua história conhecida (seu tio estava me auxiliando no treinamento), imediatamente formulamos a hipótese de que essa localização abdominal talvez tivesse relação com duas cirurgias pós nascimento a que teve que ser submetida por algum problema em seu trato digestivo. Um psicanalista já tinha feito essa interpretação antes. Ela me disse imediatamente que não queria voltar a qualquer psicoterapia. Eu disse a ela que poderia ensiná-la como evitar que o nível de seu estresse alcançasse um limiar que deflagrasse o ataque de pânico. Ela pareceu estar aberta a isso. Disse a ela que, quando temos experiências fisiológicas difíceis ou experiências psicológicas difíceis, como emoções ou pensamentos desagradáveis, nosso corpo fica estressado. O corpo então se contrai para administrar o estresse. Se a experiência fisiológica ou psicológica difícil continua, a pressão aumenta, principalmente se o estresse advindo da experiência difícil estiver constrito em uma parte estreita do corpo. A solução é encontrar uma maneira de expandir o corpo, e espalhar a experiência fisiológica ou psicológica difícil, ou o estresse resultante, para que se torne mais tolerável e não deflagre um sintoma como o ataque de pânico.
Eu então pedi que ela falasse sobre algo que a fazia sentir-se mal na vida dela. Ela mencionou a interação com seu chefe no trabalho. Pedi que ela percebesse onde o corpo começava a sentir o estresse e constrição. Não foi surpresa quando ela apontou para o abdômen. Cada pessoa tem um ou dois lugares no corpo onde tais coisas geralmente aparecem, independentemente da origem ou causa. Pedi que ela colocasse uma mão sobre a região para aliviar o desconforto e constrição ali, e pedi que acompanhasse o estresse, observando para onde ele se espalhava. Ele foi para uma parte mais baixa do abdômen, mas teve dificuldade em descer mais. Pedi que ela movimentasse as pernas e tornozelos, e observasse o que acontecia em seguida. Inicialmente houve sensação de formigamento na parte inferior das pernas, e finalmente uma sensação de fluxo nas pernas. Ao mesmo tempo houve mais alívio no abdômen, e, como consequência, maior facilidade na respiração no peito. Surpreendentemente não houve medo. Mas não apontamos isso para ela imediatamente. Disse a ela para fazer o exercício durante uma semana, toda vez que se sentisse estressada, e que voltasse para me ver no final do treinamento que eu havia iniciado lá. Disse a ela que ela precisava fazer o mesmo exercício caso surgissem medo ou ansiedade em sua vida ou quando estivesse fazendo esse exercício.
Quando ela voltou uma semana depois, não apenas parecia esperançosa, mas disse que sentiu mais compreendida naquela sessão do que em todas as sessões de terapia. Mas o que ela disse em seguida realmente nos surpreendeu. Ela disse que tinha constipação grave durante toda a vida, com uma evacuação por semana com grande dificuldade. Ela disse que desde que começou a fazer o exercício que prescrevemos, o sintoma da constipação desaparecera completamente. Ela queria que sentíssemos como isso tinha sido um grande alívio. E ela estava pronta para continuar o trabalho. Já vi resoluções tão rápidas dos sintomas antes, dada a capacidade do corpo de se regular uma vez que lhe é mostrado o caminho, principalmente quando o corpo sutil começa a fluir e a interagir mais com ele. Independentemente disso, já tinha aprendido o suficiente para não tomar tais mudanças a curto prazo, não importa o quão milagrosas, como indicadores de sucesso. O sintoma tem que ser eliminado a longo prazo para ser considerado um resultado significativo. Então passamos ao segundo tratamento.
O medo apareceu imediatamente. Transformou-se em terror e era avassalador em seu peito, beirando o pânico. Se tivéssemos apenas ficado lá validando sua experiência, ela teria descompensado e tido um ataque de pânico. Mas sabíamos o que fazer. Ela também sabia, devido à sua experiência ao longo da semana, que ele precisava ser expandido em diferentes direções. Pedimos a ela que movesse seus braços e ombros para expandir naquela direção. Pedimos que movimentasse seu pescoço, cabeça, e rosto e trouxesse o medo para seu rosto. Pedimos, primeiro, que ela dissesse que estava com medo, e então que seu corpo e cérebro estavam com medo, mas que ela não, para trazer um pouco de mindfulness para a experiência. Pedimos que ela colocasse uma mão sobre o coração para regulá-lo. Foi uma viagem difícil. Trabalho duro. Mas ela conseguiu permanecer lá e trabalhar com altos níveis de ativação e terror, que são os suspeitos usuais em um ataque de pânico, e passar por isso sem ter, de fato, um ataque de pânico. Disse a ela, no final da sessão, que ela precisava continuar a fazer o que fizemos, tanto quanto possível, como um exercício, sempre que estivesse estressada, com medo ou pânico. E que ela contatasse seu tio para atualizá-lo quanto a seu progresso, e contatasse um psicoterapeuta local treinado por nós, se não conseguisse lidar com o que estava acontecendo. Ela pareceu não gostar da última sugestão.
Deixei o país no dia seguinte. Tive notícias por seu tio seis semanas mais tarde, que ela estava muito bem. Não tinha tido nem um ataque de pânico desde então. Conseguia voltar dos ataques de pânico, sem ter um de fato, usando o que tinha aprendido conosco. Fiquei aliviado. A próxima vez em que a vi foi durante um treinamento que fiz na Holanda seis meses depois. Não houve nada dramático nessa sessão. Foi mais do mesmo da primeira e segunda sessões, com exceção de que seu processo foi muito mais expansivo e muito menos volátil. Ela pareceu também ter mais habilidade para diferenciar suas experiências internas e nomeá-las. Interpreto seu medo como possivelmente tendo relação com o medo de morrer antes, durante, e depois dos procedimentos médicos realizados imediatamente após seu nascimento. Também sugeri que seu medo de morrer também estivesse conectado a um alto nível de ansiedade em sua mãe, que, por sua vez, pode ter herdado isso de seus pais que tinham história direta da Segunda Guerra Mundial. O que esqueci de mencionar antes é que ela já estava deixando suas múltiplas medicações de forma progressiva com seu psiquiatra, que queria saber exatamente que exercício ela tinha aprendido, que levou a uma redução tão notável de seus sintomas. Ela tinha não apenas trocado de trabalho, mas também arrumado um novo namorado. Não estava dormindo tanto, e estava correndo com seu pai. E estava ficando com raiva e sendo assertiva com todos da família, disse seu tio, feliz que ela pudesse fazer isso agora.
A última sessão que fiz com ela foi por telefone, seis meses mais tarde. Seu avô predileto tinha morrido, e ela estava tendo dificuldade de lidar com isso. Quando conversamos, espelhei seu luto profundo, e sugeri que ela podia trabalhar com o luto da mesma forma que ela sabia trabalhar com seu estresse, medo e ansiedade. Ela estava sem medicação nesse momento. No final da sessão, ela disse estar perplexa e incomodada com algo. Ela continuava se sentindo mais e mais energizada, quanto mais fazia o exercício. Quanto mais ela tentava espalhar a energia, e até se livrar dela por meio do movimento, mais ela persistia. Então me dei conta de que o organismo dela estava sendo animado pela força da vida, não tendo que contê-la para evitar desencadear os sintomas desagradáveis, e até perigosos, em seu corpo. Disse a ela que ela precisava começar a usar essa força vital construtivamente para expandir sua vida. Ela disse que estava até pensando em voltar à universidade para obter seu diploma.
Recomendei que ela fizesse isso, até marotamente sugerindo que ela poderia voltar a ter sintomas se não fizesse isso!
A última notícia que tive, através de seu tio, foi que ela obteve o diploma, está morando em seu próprio apartamento na cidade, e estava numa viagem de motocicleta pela Ásia com seu namorado. Devo dize que me senti como um pai orgulhoso, feliz em ter tido um pequeno papel em sua jornada. Os verdadeiros fatores foram a determinação dela em mudar sua vida, e enfrentar e aguentar o que precisou sentir para que pudesse se curar, a habilidade de seu corpo físico para se regular com o mínimo de ajuda, e a habilidade de seu corpo sutil de não apenas contribuir para sua regulação fisiológica e psicológica com um mínimo de ajuda, mas também se beneficiar da conexão com os corpos coletivos grosseiro e sutil, com sua imensa sabedoria para regular a vida mesma.
Serge: É um caso mais complexo do que o primeiro.
Raja: Sim. Vamos agora olhar esse caso em termos de alguns princípios básicos que mencionamos antes, Serge.
Serge: O.K.
Raja: Na primeira sessão, expandimos a constrição no abdômen com o autotoque, e movimentamos as pernas, pés e tornozelos em especial, para que se conectassem com o que estava acontecendo no abdômen, e então apoiamos o que estava acontecendo nos dois lugares com consciência. Estávamos ajudando a aumentar a autorregulação nessas áreas nas três camadas do corpo físico: músculo, órgãos e sistema nervoso. Também estávamos ajudando a experiência difícil no abdômen a ser gerada, se espalhar, e ser contida em uma área maior da fisiologia do que antes, tornando-a mais tolerável, como seria esperado da evidência disponível de pesquisas sobre a fisiologia das emoções. Também estávamos ajudando a abrir as zonas no corpo físico que, de acordo com a Terapia da Polaridade, podem inibir o fluxo de energias do corpo sutil através do chakras para o corpo físico. A parte inferior das pernas, abaixo do joelho até os tornozelos, pode inibir o fluxo da energia do chakra cardíaco, que tem relação com sentimentos em relação a si mesmo e aos outros. A área do tornozelo até os pés pode inibir o fluxo da energia do segundo chakra, que torna mais possível o rejuvenescimento e a criatividade, bem como o acesso a sentimentos inconscientes e suas origens. De certa forma, isso pode explicar em parte o profundo nível de terror que veio à tona na segunda sessão, após uma semana de exercícios para manter a área do tornozelo e pés aberta.
Na segunda sessão, ajudamos a expandir as áreas dos braços, pescoço e cabeça com movimentos, e a área do peito com autotoque, e apoiamos o terror e outras sensações como formigamento nessas áreas. Estávamos, novamente, ajudando o corpo físico a aumentar sua habilidade de autorregulação, aumentando os fluxos dos sistemas cardiovascular e nervoso dentro e através das três camadas do corpo físico, como sugerido por conhecimentos sobre a fisiologia da autorregulação. Também estávamos ajudando a criar maior espaço na fisiologia para gerar, conter e tolerar experiências difíceis de terror, estresse e ansiedade, como sugerido por conhecimentos sobre a fisiologia das emoções. Maior abertura da área do peito por meio do autotoque e consciência e movimentos dos braços, principalmente dos ombros, expandiu uma área que é crítica para o fluxo da energia do coração, bem como do segundo chakra e do chakra sacro, dois chakras mais conectados com o aprofundamento em sentimentos conscientes e inconscientes, que nesse caso eram terror, estresse e ansiedade. O movimento dos braços, uma área crítica para o fluxo de energia do chakra laríngeo para dentro do corpo na Terapia da Polaridade, poderia ter ajudado a aumentar o fluxo de energia do chakra cardíaco. O maior fluxo do elemento éter associado ao chakra cardíaco, pode criar mais espaço na fisiologia em geral, e para todos os sentimentos em particular, tornando possível que os sentimentos envolvidos na sessão fluam com mais facilidade. O movimento da área do pescoço, uma zona importante para o chakra raiz, que governa questões existenciais como o medo de morrer, pode ter possibilitado que o afeto nuclear do terror diante da morte, que gerava seu sintoma, a se tornar mais consciente. O movimento do pescoço, também pode ter ajudado-a a conectar o sistema afetivo facial ao sistema afetivo visceral, de acordo com o conhecimento de uma teoria psicanalítica mais antiga sobre o afeto.
Um aspecto importante da segunda sessão foi o desenvolvimento da capacidade dela de vivenciar níveis elevados de ativação e terror, sem que isso resultasse em um ataque de pânico, ou em mais fechamento dos corpos físico e sutil. Na teoria de dependência de estado, um sintoma formado em determinados estados de intensidade, tem que ser renegociado em níveis aproximados de intensidade para a resolução do sintoma. Isso pode explicar a habilidade dela de não ter outro ataque de pânico após esse sessão, e ela conseguir voltar quando esse começava, sem um ataque de pânico completo. Quando os corpos físico e sutil não estão mais fechados como resultado de uma experiência insuportável, estão mais abertos a se relacionarem e se beneficiarem de corpos coletivos grosseiros e sutis em torno de nós, e dos quais somos parte, de acordo com a psicologia oriental. A capacidade aumentada dela para ter relações mais funcionais no trabalho, em casa e na vida pessoal, de se engajar numa instituição de ensino superior com maior funcionalidade, e a força vital que jorrava através dela, e que a deixava perplexa, todos falam de uma melhora na habilidade de seus corpos individuais grosseiro e sutil se conectarem com, e se beneficiarem, dos corpos coletivos grosseiros e sutis que têm maior sabedoria do que os corpos grosseiro e sutil individuais. Poderíamos dizer que ela estava fazendo Reiki em si mesma, quando conseguia conectar seu corpo sutil individual ao corpo sutil coletivo da força vital universal de imensa inteligência. As mudanças notáveis observadas nela não podem ser explicadas de outra forma. Para terminarmos, é importante observar que tenho certeza que o trabalho psicológico que ela havia feito nas duas análises anteriores teve muita relação com sua recuperação notável. Mas eles, em si mesmas, não resolveram os sintomas. Isso aponta a eficiência que poderia ser trazida aos tratamentos psicanalíticos, se eles integrassem os corpos individuais grosseiro e sutil em seu trabalho.
Serge: Certo.
Raja: A maioria das abordagens terapêuticas orientadas ao corpo caem em um padrão que chamo de terapia acima do diafragma. As experiências, na medida em que emergem na área do peito, são imediatamente abordadas cognitivamente para serem compreendidas. Não há nada errado com isso em si, pois entender é uma parte tão importante da cura, quando sentir profundamente. No entanto, quando o entendimento domina o processo, a capacidade para a experiência é diminuída. A experiência continua a ser difícil e, de algum modo, difícil de ser deixada para trás. Associações e significados crescem. E, logo, logo, estamos em um filme de Woody Allen. Falta a tais processos a compreensão de que, quanto mais intensa uma experiência no corpo físico, mais o corpo precisa ser envolvido na geração e contenção dessa experiência. E é mais provável que a compreensão que vem de uma experiência sentida profundamente seja relevante para a situação. E com a fisiologia estando menos desregulada durante uma experiência difícil, e mais da fisiologia contendo a experiência, torna-se possível tolerá-la melhor, enquanto a examinamos para obter algum insight ou para alguma ação futura.
Quando abordamos isso do ponto de vista do corpo sutil, a maioria dos chakras que têm relação com processos profundamente existenciais e inconscientes estão abaixo do diafragma. E a maioria das zonas importantes que governam o fluxo de energias dos chakras laríngeo e cardíaco estão abaixo do diafragma. Então, os processos acima do diafragma tendem a ter maior probabilidade de permanecerem superficiais e incompletos, de não se aprofundarem, de girarem em ciclos de associações e significados relacionados à orientação teórica específica usada nesse contexto clínico. Não que esses processos não possam trazer mudanças. Trazem. Se assim não fosse, não existiriam há tanto tempo. Mas isso também traz a probabilidade de críticas como a de Hillman, que uma vez perguntou o que tínhamos para mostrar depois de cem anos de psicoterapia. Serge, pense nas possibilidades se todas essas abordagens começassem a incorporar em suas práticas os diferentes corpos que constituem o ser humano. E elas nem precisam mudar a orientação teórica com a qual trabalham para fazer isso. Nem é tão difícil fazer isso, como pode ser visto dos exemplos discutidos acima.
Serge: Há uma profundidade com a qual você está falando sobre essas coisas. Mas há também uma praticidade com a qual você está abordando as coisas. Por exemplo, no caso que você acabou de mencionar da mulher da Holanda, as seguintes coisas me chamaram a atenção. Quando confrontados com o medo, nós, seres humanos, todos temos a tendência de tensionar, de nos fecharmos. É, de certa forma, uma reação fisiológica, mas também uma tendência comum para evitar aquela experiência. Mas você mostrou a ela uma forma simples de, na realidade, se abrir, para que haja fluxo de tal modo que ela possa sentir o medo e não ser paralisados por ele.
Raja: Você colocou o dedo em algo muito importante, Serge. Nossa tendência natural é evitar uma emoção desagradável, baseado no fato de que são criadas pela desregulação de nossa fisiologia de sobrevivência, em maior ou menor grau. Partes do cérebro que são mais interessadas na sobrevivência e homeostase não gostam dessas coisas, e tendem a resistir a elas, mesmo fechando sua fisiologia em maior ou menor grau. Também podemos desenvolver camadas de resistência psicológica a experiências desagradáveis, que então aparecem como padrões de fechamento nos corpos físico e sutil, com os consequentes sintomas. Podemos fazer muito trabalho com os corpos individuais grosseiro e sutil, com sua conexão com os corpos coletivos grosseiro e sutil, e por sua vez, com sua conexão com o corpo absoluto de pura consciência. Tudo isso não terá utilidade, será apenas um ritual ou regime vazio, se as pessoas não conseguirem tolerar as experiências psicológicas que vêm com isso, compreendê-las, pensar e agir a partir delas de forma a refletir a corporificação de diferentes energias de diferentes corpos, que acontecem temporariamente, quando trabalhamos com esses corpos. É por isso que a capacidade de tolerar opostos está no cerne do modelo de individuação da psicologia junguiana, e do modelo de iluminação da Advaita Vedanta, que oferece maior possibilidade para o desenvolvimento da psique humana. Por falar nisso, a capacidade de tolerar opostos não se refere apenas à experiência passiva de sentir e tolerar estados emocionais. Também se refere à capacidade de conseguir tolerar ter cognições opostas, e fazer coisas opostas nesse mundo, ou pelo menos ser capaz de tolerar imaginar ter cognições opostas e ações opostas no mundo.
Essa sabedoria sempre esteve presente na psicanálise no conceito de tolerância ao afeto. O psicanalista intersubjetivo Rober Stolorow colocou isso muito sucintamente, quando uma vez me disse que a única coisa que podemos dar a nossos cliente é a tolerância ao afeto. Infelizmente todo o campo da psicologia está se afastando disso. A ênfase mudou na direção de se livrar dos afetos, descarregar energias, medicar para eliminá-los, etc. Isso pode muito bem ser fundado no fracasso do campo em chegar ao fundo das coisas. E isso, por sua vez, pode ter relação com a forma não-corporificada com que são feitas muitas psicoterapias. Mas há outra forma, o processamento corporificado. Como sabemos, não podemos evitar que as pessoas sofram traumas e outras experiências difíceis. E não podemos simplesmente consertá-las ou fazê-las irem embora. Temos que vivenciar essas coisas, mas de forma sábia, usando todo o organismo para gerar, sentir, regular e tolerar uma experiência avassaladora. As pessoas então aprendem que podem passar por elas, e intuitivamente não têm medo da vida e das experiências difíceis que ela sempre traz, mais cedo ou mais tarde, se acreditamos em Buddha.
Acredito muito em educar as pessoas, sobre como seus corpos físico e sutil estão relacionados às suas experiências psicológicas, e como se relacionar com eles, e trabalhar com eles durante grandes experiências de vida positivas e negativas, da maneira mais simples possível. Eu tenho dois PhDs. Meu primeiro é em negócios, com especialização em marketing. Meu segundo PhD é em psicologia clínica. Eu sei que, a não ser que um sistema ou abordagem seja simples de compreender, simples de usar e simples de integrar em outros sistemas já existentes, ele não será amplamente adotado, nem irá muito longe. Os sistemas de psicoterapia corporal mais antigos provam isso. Para os psicoterapeutas não orientados ao corpo, esses sistemas demandavam que eles aprendessem toda uma nova orientação teórica, como estruturas de caráter, e adotassem intervenções como tirar a blusa e se dobrar para trás sobre um bloco de madeira. Essas intervenções pareciam tão extravagantes e tão arriscadas, que essas abordagens nunca alçaram voo, ficando restritas a pequenos grupos de profissionai,s que se reuniam de tempo em tempos em seus próprios congressos lamentando o quanto os modelos convencionais continuavam a ser não-corporificados. Não há dúvida de que a falta de corporificação na psicologia convencional tinha múltiplas raízes históricas, mas o fato de as psicoterapias orientadas ao corpo não oferecerem abordagens acessíveis para a corporificação tem sido uma razão importante, na minha visão. Se virmos o quanto abordagens de meditação baseada em mindfulness e em sentir o corpo têm tido sucesso na psicologia convencional ultimamente, isso se torna claro. Se os psicanalistas, quando estão trabalhando com experiências difíceis com os sentimentos, em qualquer estrutura teórica na qual trabalham, compreenderem como essas experiências difíceis surgem nos corpos físico e sutil, como esses corpos podem se fechar se o suporte interno ou externo para tal experiência forem insuficientes, e como expandir os corpos físico e sutil para gerar, acessar e tolerar essas experiências com instrumentos simples como consciência, autotoque, e movimento, seria mais fácil eles trabalharem com a corporificação, sem ter que abandonar sua orientação teórica primária, e sem fazer nada fora do comum.
Serge: Mhm, Mhm. Então esse é o elo perdido que pode tornar isso possível.
Raja: Sim.
Raja: E realmente não é difícil de fazer. Essa tem sido minha experiência tratando pessoas e treinando pessoas em 16 países nos últimos 20 anos. Essa também tem sido minha experiência entre os sobreviventes do tsunami na Índia, e os sobreviventes da guerra civil em Sri Lanka. Isso me dá confiança de que isso seja viável. E em termos de incluir o corpo sutil, é muito empolgante, porque a física quântica está mostrando o caminho, mesmo que não seja totalmente aceito na psicologia, mesmo como um nível mais profundo do corpo físico. Não sabemos exatamente como estudar até mesmo o nível quântico do corpo físico na psicologia, porque podemos observar, em exames cerebrais, o comportamento de neurônios que definitivamente não estão no nível subatômico. Na pesquisa em física quântica em CERN na Europa, faz-se com que partículas atômicas e subatômicas colidam umas contra as outras, ou contra barreiras, em velocidades próximas à da luz em túneis subterrâneos chamados supercolisores supercondutores, para se estudar partículas subatômicas menores, que aparecem por microssegundos com pequenos sinais sonoros nas telas de computadores! Assim, não está claro como poderíamos estabelecer a existência de tais coisas em nossos corpos físicos, e como nossos corpos sutis, exceto por meio da inferência a partir dessas pesquisas. No entanto, o que sabemos da psicologia oriental é que a consciência, mesmo que pareça limitada, e apareça como uma função do cérebro ou do corpo sutil para os que aceitam isso como realidade, é de ordem superior a qualquer nível de nossa existência. Enquanto a psicologia continuar a acreditar que nossa consciência é uma função do cérebro físico no nível do corpo grosseiro, há um problema. Felizmente, a psicologia também tem a tradição de valorizar e trabalhar com a experiência subjetiva independentemente de sua origem. E ter modelos da psique simplesmente como modelos da psique, e avaliar abordagens psicológicas mais com base no resultado de suas intervenções do que na verdade, ou falta de verdade, do modelo subjacente às intervenções. Contanto que saibamos como trazer à consciência ou trabalhar com os fenômenos que são ditos surgirem de um nível quântico do corpo – de novo, isso não é tão difícil quanto se acredita – e tenhamos resultados para mostrar, realmente não importa se estamos trabalhando com o nível quântico do corpo físico, ou um corpo de outro nível quântico chamado corpo sutil, ou apenas fenômenos do corpo físico mal compreendidos e mal nomeados, como diriam alguns. O que estou dizendo aos que realmente não acreditam é que, se fenômenos pouco comuns podem ser trazidos à consciência das pessoas, e trabalhar com eles realmente ajuda, não importa se o modelo subjacente é um mito ou uma metáfora. Desde que ajude, acho que deveríamos considerar seriamente adotá-las, principalmente quando obtemos ótimos resultados.
Serge: Certo, certo. Então, de alguma forma, há também uma similaridade com a física quântica. Pode ser visto como algo que é incrivelmente teórico e abstrato. Mas então, de tempos em tempos, há alguns experimentos que realmente mostram que há uma correspondência entre a teoria e o que acontece. E, nesse sentido, não é necessariamente uma prova de que o modelo teórico seja a verdade absoluta, mas certamente uma indicação de que faz sentido usar a narrativa apresentada pela teoria para trabalhar de determinada forma.
Raja: Sim, com uma ressalva, Serge. Pode haver outros modelos teóricos que não foram imaginados, que poderiam predizer o mesmo comportamento entre as partículas subatômicas observáveis! Mais um pensamento sobre a origem da consciência. Mesmo que a consciência seja uma função do corpo grosseiro, a hipótese mantida pela ciência agora, sem qualquer prova, é de que ela poderia ser uma função do nível quântico do corpo grosseiro. A psicologia oriental diz que ela não é nem uma função do corpo grosseiro nem sutil, individual nem coletivo. Está além disso tudo, mas ao mesmo tempo é o fundamento imutável de tudo. Fascinante, não é?
Serge: Bem, Raja, foi um prazer. Obrigado. Há algo mais que gostaria de acrescentar para concluir, ou esse lhe parece um bom lugar para encerrar?
Raja: Eu acho que esse é um ótimo lugar para finalizar. Fomos tão longe quanto possível! Eu realmente gostei da entrevista, e realmente lhe agradeço. E espero, que no futuro, a psicologia e psicoterapia sejam mais corporificados, independentemente da orientação teórica. E espero que eu possa dar minha contribuição para esse processo de corporificação, e consequente aumento na efetividade clínica no tratamento de problemas comuns, para os quais pessoas comuns buscam ajuda na terapia. Meu objetivo é continuar a achar ou desenvolver formas mais simples de ajudar profissionais com diversas formações a incorporar e corporificar nossos diferentes corpos em seu trabalho. Acho que isso certamente vai me manter ocupado pelo resto da minha vida!
Essa conversa foi transcrita por Claire Cornelio e traduzido por Priscila Leiko Fuzikawa.
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